Frango de pastel seco, ou o baile dos bastões
Outro dia eu resolvi me aventurar.
Abri uma caixa e peguei cada um dos pequenos bastões coloridos que haviam dentro dela. A primeira reação foi estranhar a secura daqueles bastões, e a poeira colorida que deixavam nas mãos.
Misteriosamente, quando eu esfreguei um desses bastões sobre um papel preto que estava do lado, aquela poeira se transformou em traços, linhas e manchas. Percebi que eles tinham um poder mágico, o de transformar os traços e linhas em borrões ao passar dos dedos. E esses borrões, a depender da forma como eram unidos, se transformavam em formas e faziam sentido para mim.
Era como se tivessem vontade própria. Decidi ouvi-los e deixei que passeassem pelo papel. E enfim entendi a verdadeira magia dos bastões: eles capturavam minhas memórias e visão e as transportavam para a superfície do papel. Uma dança entre as mãos e os bastões, com o papel como salão de baile. O preço a pagar pela dança? Mãos e dedos empoeirados. Muito.
Ofereci aos bastões a imagem de um dos frangos daqui de casa, que conheço desde que era um ovo: o Chefinho, líder do bando dos sete. E os bastões fizeram sua mágica.

Descobri que alguns dos lápis que tinha há muito tempo também tinham esse poder, o de transformar memórias em imagens no papel, ao custo de dedos empoeirados. O baile foi esplêndido. Conforme a dança se desenrolava, surgiam cristas, barbelas, penas, sombras e volumes, luzes e sombras. Quase cutuquei o papel e gritei "parla!".
Encantado pela magia recém-descoberta, resolvi organizar outro baile. Ofereci outra memória como trilha sonora, e os bastões e lápis mágicos tiraram minhas mãos para a dança. Ocrinha, a que quase não nasceu — longa história resumida: a casca do ovo quebrou na semana em que iria nascer, remendamos os pedaços e incubamos num canto da cozinha, no dia da eclosão tivemos que tirar caquinho por caquinho, depois membrana por membrana, até que ela se livrou da casca.
Os tais bastões eu comprei numa Daiso no finzinho do ano passado, pastel seco de 18 cores. Os lápis também são de pastel seco (e um de carvão chique Conté à Paris), que eu fui comprando ao longo dos anos. E o papel é um Canson preto que comprei em 2018 e estava esperando sua vez de ter um arco narrativo só para si.
Mal posso esperar pelo próximo baile.
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